eu não sei bem o que é a vida,
mas tem todo um cheiro da casa da Nathália e uma ausência doída do Léo Rosa, que
deve ser mais doída pra Nathália do que pra mim e ainda mais doída pro Léo, que
optou por doer. sei que tem a Lou, com ironia e tudo, tem uma pilha de louças pra
lavar, um disco do Caetano ao fundo e um Dani Black que recusa-se a lembrar que
o nome do disco é mesmo Fina Estampa. quem bebe mais a vida sou eu, claro,
porque é assim que a vida costuma ser e eu não a renego nem nada, então trato
de abrir a janela pra fumar, afinal a Letícia tá gripada e sem voz. e se o violão
cai no meu colo é que alguém cansou e todo mundo acha um absurdo eu não saber
tocar minhas músicas com o Aureo, mas ainda assim eu toco, como um menino sem
intimidade com o corpo de uma mulher e a mulher se chama Ruth. parece poesia o
que eu faço, embora eu não saiba ao certo o que é a vida senão quando a Letícia
diz que eu canto bonito, que parece minha voz falada, assim, sem mais. e acho
que deve ser bonito mesmo porque assim, sem mais, não tem mistério nem tipo,
tipo as coisas como elas realmente são. é que o Dani canta melhor que todo
mundo depois do Caetano e o violão sempre volta pra ele, daí a noite fica
animada de novo (o Caio e eu descobrimos que Dani Black não contém dor, feito
paixão madura, o que não é bom nem ruim, só é maduro). quando o mundo vai
dormir, ficamos Nathália e eu, e eu não sei bem o que é a vida sem Fernando
Pessoa e, mais recentemente, Roger Vadim e suas memórias de paixões violentas. por
que tudo sempre termina nisso? eu não sei bem de muita coisa nem porque eu
odeio a minha ex se a Nathália ainda ama o Léo. só sei que se um dia eu
escrever minhas memórias, haverá sempre um cheiro de casa da Nathália, uma
ausência doída de Léo Rosa, a ironia da Louise, Dani maduro, Fina Estampa, Letícia
etc. e vai ver é isso que é a vida! se eu escrever memórias, é que terei sido em
vida mais apaixonado que violento. terei amado mais que odiado minhas briggites
tupiniquins. numas coisas o chato do Nelson Rodrigues tinha razão: a vida é
como ela é (‘’mas o homem não gosta de bater!’’).
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