como pode não sobrar nada? absolutamente
nada! um nada tão oco que chega a ser duro. mentira, não é duro nem nada. nem é
palpável. e não porque seja etéreo, simplesmente não há. lembranças ocas,
ocasionais. um gesto, um riso, um gozo. em suma, nada. absolutamente nada. não
é complexo tampouco. aliás, é raso, como a beira de um mar que deu pra trás. é criança,
que finge se iludir com o tamanho da onda e sua coragem de enfrentá-la. não há
nada nem nunca houve. não porque sonhamos – isso já seria alguma coisa. é que se
o passado não ecoa, deixa de existir, vira delírio. pelo menos de estrelas
mortas se pode ver o brilho anos-luz depois. mas e nós, cujo pecado e castigo
foi não morrer em chamas? nos demos ao desfrute de estar vivos e nada! não sei
quantas pintas, coisas pontuais, a cor das auréolas, o umbigo, que murmúrios
fora de si. não lembro o perfume senão noutra pele, daí é só cheiro do cheiro,
não é nada. nós então não somos nada. sei dos fatos, mas não existem fatos para
além de interpretações. é o que eu quiser que seja e eu não quero nada, pois,
que seja real. talvez no fato de não haver nada, de nunca ter havido, é onde
repousem algum mistério e beleza, como a ideia vaga e irretocável que não se
sabe de onde vem. assim, invento-nos, eventualmente, meio sem saber por quê. não
pretendo alterar nada do nada que nos cabe e nem caberia a essa altura querer
acrescentar nenhuma possibilidade de nada. não há nada, enfim, nem nunca
seremos nada a não ser lenda, maldade que o povo comenta. um dia fulano tomou
sicrana de beltrano, um bafafá, diz que até hoje se estranham e que o tal, o
sem-vergonha, se fez de amigo do outro e o outro não perdoou, coitado. a moça,
parece, gostava do tal que chegou de mansinho e, como não fosse santa, se
apressou em dar no pé. depois, ninguém sabe o que houve, a coisa não foi
adiante e o tal até se ajeitou com uma outra, mas a outra, segundo se diz,
nunca engoliu essa historia e era briga a dar com pau. mas isso já faz uma cara
e ninguém tem nada que ver com isso, então deixe de prosa, comadre, que eu não
sou de falar do que eu não sei! e ninguém sabe ao certo de nada, porque não
sobrou nada do nada que nunca houve. nem poema nem dedicatória. nem a dor do
amigo nem o íntimo pedido de perdão. nem o ciúme da outra nem música da Maria.
nem camisa do Botafogo nem nada. absolutamente nada.
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